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A INCONVENCIONALIDADE DA REFORMA TRABALHISTA ANTE A AUSÊNCIA DE CONSULTA PRÉVIA ÀS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS.

Luiz Manoel Andrade Meneses[1]

Ementa

Reforma trabalhista. Lei nº 13.467/2017. Ausência de consulta prévia às organizações de trabalhadores. Ofensa à Convenção de nº 154 da OIT, bem como aos verbetes nº 1075, 1081 e 1082 do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT. Inconvencionalidade.

O Direito do Trabalho passa por um momento de ameaça de grave retrocesso, em razão da sanção presidencial da Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. A proposta de reforma trabalhista publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte, com prazo para entrar em vigor de 120 dias. O suposto objetivo da nova norma seria “adequar a legislação às novas relações de trabalho.” (BRASIL, 2017), conforme nos indica a sua ementa.

Há significativa controvérsia em relação ao caráter das inovações processuais trazidas em seu bojo. Vários de seus dispositivos são obstáculos ao direito de ação e ao progresso dos direitos sociais dos trabalhadores, ambos garantidos pela Constituição Federal e em Convenções da OIT. Ao contrário das informações massificadas pela imprensa, o conteúdo da nova lei visa desconstruir o Direito do Trabalho em sua essência, pois inverte seus princípios e suprimi direitos trabalhistas.

Em decorrência, várias instituições e estudiosos criticaram o texto da lei reformista, a exemplo do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que apresentou seu entendimento explicitado em documento assinado por dezessete de seus ministros, dirigido ao presidente do Senado Federal, antes mesmo da aprovação da lei em estudo na respectiva Casa. A proposta de lei visa, nesse entendimento, “eliminar ou restringir, de imediato ou em médio prazo, dezenas de direitos individuais e sociais trabalhistas que estão assegurados no País às pessoas humanas que vivem do trabalho empregatício e similares” (TST, 2017).

Não bastasse, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em resposta à consulta feita por entidades sindicais nacionais, reforçou argumentos de que a reforma trabalhista viola convenções internacionais firmadas pelo Brasil, em especial a Convenção nº 154. A convenção aponta em seu artigo 7 que a adoção de um projeto de lei que modifica a legislação trabalhista deveria ser precedida por consultas sociais no país com as organizações de trabalhadores e empregadores interessadas, devendo haver um acordo entre estes e as autoridades públicas. Idêntica previsão pode ser encontrada nos verbetes nº 1075, 1081 e 1082 do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT[2].

Na resposta à referida consulta, a diretora do Departamento de Normas Internacionais do Trabalho, Corinne Vargha, reforça o poder de vinculação exercido pelas Convenções da OIT sobre os Estados-Membros integrantes da organização. Estes têm a obrigação de garantir a aplicação efetiva das convenções ratificadas, não podendo rebaixar as proteções estabelecidas por tais convenções.

Ressalte-se a importância dada pela OIT às decisões do Comitê de Liberdade Sindical, que, ao decidir sobre vários casos similares e correlatos, define princípios gerais de liberdade sindical, que lhe permitem manter a uniformidade dos critérios utilizados para a tomada de suas decisões. Assim, foi desenvolvido um conjunto de jurisprudências que constitui um direito consuetudinário internacional a respeito do assunto. O não atendimento de tais orientações é considerado ofensa à própria Constituição da OIT, posto que o princípio da liberdade sindical encontra-se em seu bojo, devendo os países membros a eles se submeter desde o momento de seu ingresso na organização.

De maneira análoga ao controle de constitucionalidade, o controle de convencionalidade é o modo pelo qual o Poder Judiciário de cada Estado-Membro controla a adequação das estruturas normativas internas do país aos compromissos assumidos internacionalmente. Tal controle refere-se a um dispositivo jurídico fiscalizador das leis infraconstitucionais, que exerce duplo controle de verticalidade, devendo as normas internas de um país estar compatíveis tanto com a sua Constituição quanto com as convenções internacionais com as quais se comprometeu.

Entende-se ser possível a adoção do controle de convencionalidade no âmbito trabalhista, pois a convencionalidade tem por suporte os tratados de proteção aos direitos humanos e uma vez que os direitos trabalhistas são considerados direitos humanos e em face da indivisibilidade da proteção desses direitos, deve-se exercer o referido controle externo.

Neste sentido, a melhor jurisprudência brasileira aplica as normas internacionais na resolução das lides, a exemplo do Tribunal Superior do Trabalho, nas decisões dos recursos de revista dos processos RR - 1871-87.2013.5.12.0022 e RR - 77200-27.2007.5.12.0019. No primeiro caso, o tribunal posicionou-se no sentido de que existe um efeito paralisante das normas internas que estejam em descompasso com os tratados internacionais de direitos humanos, tratando do controle de convencionalidade das convenções nº 148 e 155 da OIT. Na segunda decisão, entendeu pela aplicabilidade da Convenção nº 98 da OIT, repudiando conduta antissindical que afrontava a liberdade sindical.

Uma vez que o Brasil ingressou na referida organização, assumiu o compromisso de cumprir com seu ordenamento jurídico, garantindo que os direitos sociais rumem em direção à busca pelas melhores condições de vida digna para o trabalhador e não permitindo o retrocesso destes, ao tolher os direitos de ação e de acesso à justiça, anteriormente assegurados.

Assim, propõe-se que a Lei nº 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, seja declarada inconvencional ante a sua caracterização como menos benéfica para o trabalhador e ante o desrespeito às normas e princípios internacionais do trabalho, preconizados pela OIT, tais como a necessária consulta prévia às entidades sindicais.

Referências

AGÊNCIA SENADO. Reforma trabalhista vai a sanção. Publicação em: 11/07/2017. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/07/11/reforma-trabalhista-vai-a-sancao>. Acesso em: 07/08/2017.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 07/08/2017.

_______. Decreto- lei de nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 07/08/2017.

_______. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaTextoSigen.action?norma=17728053&id=17728058&idBinario=17728664&mime=application/rtf>. Acesso em: 07/08/2017.

CORDEIRO, Wolney de Macedo. O Controle de Convencionalidade em matéria laboral: novos horizontes para a aplicação das Convenções da OIT no Direito Brasileiro. In: FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. MAZZUOOLI, Valério de Oliveira (org). Direito Internacional do Trabalho: o estado da arte sobre a aplicação das convenções internacionais da OIT no Brasil. São Paulo: LTr, 2016. cap. 2, p. 24-33.

GUERRA, Sidney. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o controle de convencionalidade. São Paulo: Atlas, 2013.

NICOLADELI, Sandro Lunard. FRIEDRICH, Tatyana Scheila (Trad.). O Direito Coletivo, a Liberdade Sindical e as Normas Internacionais: A liberdade sindical – recompilação de decisões e princípios do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT. Volume II. São Paulo: LTr, 2013.

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______. RR - 77200-27.2007.5.12.0019. Relator: Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Primeira Turma, julgado em 15/02/2012. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%2077200-27.2007.5.12.0019&base=acordao&rowid=AAANGhABIAAADIpAAU&dataPublicacao=24/02/2012&localPublicacao=DEJT&query= >. Acesso em: 05/02/2017.


[1] Juiz Titular da 3ª vara do trabalho de Aracaju, Tribunal Regional do Trabalho da 20ª região. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Professor Universitário. E-mail: luiz.gesto@gmail.com

[2] “O Comitê tem chamado a atenção dos governos para a importância da consulta prévia com organizações de empregadores e de trabalhadores antes de adotar qualquer lei no campo do direito do trabalho” (NICOLADELI; FRIEDRICH, 2013, p. 258 – verbete 1073 do CLS).

“O Comitê tem destacado a importância de que os governos consultem as organizações sindicais, com o objetivo de discutir as consequências de programas de reestruturação no emprego e nas condições de trabalho dos assalariados” (NICOLADELI; FRIEDRICH, 2013, p. 260 – verbete 1081 do CLS).

“No caso em que devem se aplicar novos programas de redução de pessoal, o Comitê solicitou que se levassem a cabo negociações em consulta com as empresas interessadas e as organizações sindicais” (NICOLADELI; FRIEDRICH, 2013, p. 260 – verbete 1082 do CLS).

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