Pular para o conteúdo principal

FOLHA DE S. PAULO: Sob Bolsonaro, Incra paralisa assentamentos em 66 projetos de reforma agrária

Área equivalente ao município do Rio está pronta; instituto cita falta de recursos e prevê retomada em 2020


23.nov.2019 às 2h00

Fabiano Maisonnave


Apesar de ter à disposição 66 projetos de assentamento para reforma agrária, o governo Jair Bolsonaro não assentou nenhuma família nesses locais, que, somados, equivalem ao município do Rio de Janeiro.

Documento interno do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) obtido pela Folha informa que há 111.426 hectares prontos para a reforma agrária, espalhados em todas as regiões do país.

Criados desde 2016, esses projetos têm capacidade para 3.862 famílias, mas o número de assentados nesses locais é zero.

“É a primeira vez que isso ocorre no Incra, num momento em que há milhares de famílias para serem inseridas no programa de reforma agrária”, diz José Batista Afonso, advogado da organização católica CPT (Comissão Pastoral da Terra) em Marabá (PA).

Entrada de assentamento do MST em Eldorado do Carajás (PA)Entrada de assentamento do MST em Eldorado do Carajás (PA) - Fabiano Maisonnave/Folhapress

Afonso atribui a paralisação às novas regras que vêm sendo implantadas desde o governo Michel Temer (MDB).

A principal mudança prevê que as famílias têm de se inscrever diretamente, sem participação de movimentos sociais, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que Bolsonaro já chegou a classificar de “organização terrorista”.

Depois de cadastrada, a família precisará esperar surgir uma vaga, via edital do Incra, para disputar um lote dentro de um projeto de reforma agrária, em processo semelhante ao de um concurso público.

O advogado do CPT diz que esse sistema é inviável, pois já existem famílias morando nos projetos de assentamento, em alguns casos por dez anos, à espera de regulamentação.

“O Incra vai tirar aquela família e colocar uma família nova? Em função desses problemas reais, eles não sabem o que fazer. Seria o caos”, avalia.

Sem a regularização, essas famílias não têm acesso a diversas políticas públicas do Programa Nacional de Reforma Agrária, como linhas de crédito, assistência técnica, melhorias na infraestrutura e demarcação oficial dos lotes.

Para o procurador da República Julio Araujo, a seleção por meio de editais em áreas já ocupadas gera insegurança jurídica e risco de violência.

“Em lugares com presença consolidada de beneficiários, sem observar qualquer regra de transição, o Incra parece querer substituir beneficiários e retirar pessoas ligadas a movimentos sociais, sem se preocupar com a vocação para o trabalho rural”, diz Araujo, do Grupo de Trabalho Reforma Agrária, vinculado à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

SEM DINHEIRO

Via assessoria de imprensa, o Incra afirmou que, “por restrições orçamentárias no exercício de 2019, não foi possível avançar no processo de seleção e homologação de famílias nos assentamentos criados pela autarquia”, mas que o programa será retomado a partir de 2020.

Segundo o documento interno obtido pela reportagem, a modernização do Sipra (Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária) foi paralisada por falta de dinheiro para contratar uma empresa de software, o que “representou uma ruptura nas tratativas de melhoria do sistema”.

Sobre esse problema, o Incra informou que a atualização da ferramenta está “em estágio bastante avançado”.

Em relação ao processo de escolha, o Incra afirmou que “não assenta famílias utilizando como critério a associação a movimentos sociais ou sindicais do campo” e que o decreto 9.311, de 2018, prevê a seleção de famílias “com total isonomia, com a devida publicidade, por meio de publicação de editais de seleção no site do Incra, de forma que qualquer pessoa/família pode se inscrever no processo seletivo”.

“Todos os interessados, independentemente de ligações políticas ou movimentos sociais, terão igual oportunidade de concorrer a um lote em assentamentos do Incra”, afirma o órgão.

Neste ano, o Incra informou ter homologado 4.337 famílias. Trata-se, porém, de processos antigos de regularização de agricultores familiares que ocupavam lotes sem autorização do Incra. Nenhuma dessas famílias está dentro dos 66 projetos de reforma agrária listados no documento interno.

O contingente mais baixo de assentados foi em 2017, no governo Michel Temer, com 1.205 famílias. O recorde de assentados ocorreu em 2006, no primeiro governo Lula (PT), 136 mil famílias.

Nos últimos 25 anos, a média de assentados é de 54 mil famílias por ano, incluindo 2019.

Em outubro, Bolsonaro nomeou para a presidência do Incra o economista ligado ao agronegócio Geraldo Melo Filho. Ele substituiu o general João Carlos Jesus Corrêa, demitido por pressão dos ruralistas, que pressionam por mais celeridade na entrega dos títulos de posse. O governo Bolsonaro prometeu distribuir 600 mil títulos de terra em quatro anos.

Maior centro de formação do MST corre risco de despejo

Centro de formação Paulo Freire, o maior do MST, que pode ser alvo de despejo. O processo contrário ao movimento social foi transitado em julgado no fim de 2017, mas apenas no dia 13 de agosto deste ano veio a ordem de cumprimento da sentença por solicitação do coronel da Polícia Militar Marcos Campos de Albuquerque

O local já formou, em parcerias com universidades federais e estaduais, 8 mil pessoas em cursos de graduação e pós-graduação. Três agroindústrias, 52 alojamentos, salas de aula, auditório para 700 pessoas, centro comunitário, quadra esportiva, academia pública para atividades físicas, creche e refeitório compõem o centroCentro de formação Paulo Freire, o maior do MST, que pode ser alvo de despejo. O processo contrário ao movimento social foi transitado em julgado no fim de 2017, mas apenas no dia 13 de agosto deste ano veio a ordem de cumprimento da sentença por solicitação do coronel da Polícia Militar Marcos Campos de Albuquerque Leo Caldas.

Fonte: FOLHA DE S. PAULO https://folha.com/78y5ib1h

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Qual o significado das siglas usadas no INSS (B31, B32, B41, B42, B46, etc...)?

Todos os benefícios concedidos pelo INSS possuem um código numérico que identifica as suas características e facilita o entendimento entre os servidores para o desempenho de suas atribuições:   APS - Agência da Previdência Social B21 - Pensão por Morte B25 - Auxílio-Reclusão B31 - Auxílio-Doença B32 - Aposentadoria por Invalidez B36 - Benefício Decorrente de Acidente de Qualquer Natureza ou Causa B41 - Aposentadoria por Idade B42 - Aposentadoria por Tempo de Contribuição B43 - Aposentadoria de ex-Combatente B46 - Aposentadoria Especial B56 - Pensão Especial às Vítimas da Talidomida B57 - Aposentadoria por Tempo de Contribuição de Professor B80 - Salário-Maternidade B87 - Amparo Social à Pessoa Portadora de Deficiência B88 - Amparo Social ao Idoso B91 - Auxílio-Doença (acidente do trabalho) B92 - Aposentadoria por Invalidez (acidente do trabalho) B93 - Pensão por Morte (acidente do trabalho) B94 - Auxílio-Acidente. CADPF - Cadastro da Pessoa Físi

TRABALHADOR TEM DIREITO DE SENTAR DURANTE A JORNADA DE TRABALHO

Caixa de restaurante que trabalhava 12 horas em pé será indenizada   (14/11/2012) Todo empregador tem obrigação de zelar pela integridade física do empregado e oferecer um ambiente de trabalho em condições propícias, de modo a não gerar danos à saúde deste. O ordenamento jurídico traz vários dispositivos neste sentido. A própria Constituição Federal estabelece que o patrão tem o dever legal de oferecer um ambiente de trabalho em condições dignas de higiene, saúde, segurança e bem estar físico e mental. Mas ainda existem muitas empresas que, visando apenas ao lucro, exploram ao máximo o trabalho e desprezam a saúde do trabalhador. Recentemente a juíza Maristela Íris da Silva Malheiros, titular da 19ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, julgou a reclamação ajuizada por uma operadora de caixa que tinha de cumprir a extensa jornada diária de doze horas em pé. Isto porque o restaurante onde ela trabalhava não lhe fornecia cadeira.   Para a magistrada, a conduta caracteriza dan

"Somos como borboletas que voam por um dia e acham que é para sempre."

São apenas dois dias, no momento que escrevo esse texto, do perecimento do meu Pai. Antes de continuar, peço desculpas a quem possa ter se ofendido com a primeira mensagem que escrevi falando do ocaso da vida daquele que, junto com minha mãe, deu-me vida. Naquela mensagem, escrita quando a aceitação sequer era vislumbrada (começo a me aproximar desta fase), quando a dor fazia seus primeiros estragos, grosseiramente chamei de “frivolidades imaginárias” as tentativas das pessoas de me confortar com mensagens e condolências de cunho religioso. Não penso assim, foi um erro dizer o que eu disse. Não sou religioso, isso não é segredo para ninguém. Mas, respeito, sempre respeitei o sentimento religioso das pessoas, o qual permeou grande parte das mais de mil mensagens de pesares que recebi, tanto nas redes sociais como no velório. Independente da religião, salvo aquelas loucuras feitas por pessoas guiadas por líderes religiosos de índole duvidosas (como fazer arminha, defender o ódio ou, desv