PETIÇÃO INICIAL SOBRE A ILEGALIDADE, INCONVENCIONALIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE DO § 2° DO ARTIGO 457 DA CLT, IMPOSTO PELA LEI DA “REFORMA” TRABALHISTA (ausência de caráter salarial à premios e gratificações pagos com habitualidade)
Divido com os colegas, fundamentação de uma Inicial que estou elaborando, sobre o tema título deste post. A fundamentação abaixo está fulcrada nos Enunciados da ANAMATRA e compartilho pela necessidade de enfrentarmos os efeitos da Lei da Deforma Trabalhista.
Não revisei o texto, deve estar cheio de erros, vou corrigi-los em breve, mas podem me aponta-los em privado, por favor.
Adriano Espíndola Cavalheiro
Ocorre que quando da admissão operária, a reclamada o informou que parte de seus salários, até mesmo em face de sua função, seria realizado por meio de gratificação mensal, com caráter salarial.
Não obstante a tal fato, apenas por alguns meses a reclamada fez o lançamento da rubrica gratificação nos holerites do autor, como por ser visto, por amostragem, nos holerites dos meses de março, abril, junho de 2015 e de janeiro de 2016, quando a referida gratificação foi paga com reflexos sobre as demais verbas.
Como, todavia, o reclamante recebia remuneração fixa na forma especificada no ponto anterior, certo é que o não lançamento da referida rubrica, em parte de seus holerites, não causou, num primeiro momento prejuízos a ele.
Conquanto, objetivando valer-se da expropriação dos direitos do autor, aparentemente lhe facultada pela inconstitucional e inconvencional lei 13.467/2017, desprezando o fato de que o pagamento dos reflexos da gratificação e prêmios, a ele pagos, em suas demais verbas, ou seja, o caráter salarial destes, aderiu ao contrato de trabalho objeto desta ação, porquanto o referido restou avençado expressamente desta forma, ou seja, com caráter salarial, a reclamada passou a denominar as gratificações / prêmios pagos de “Prêmio – Lei 13.467”, descartando seu caráter salarial e, por conseguinte, não fazendo refletir sobre as verbas aqui em comento (gratificação natalina, férias+1/3, FGTS+40% e aviso-prévio).
Ora, como o contrato de trabalho do reclamante restou avençado com pagamento de gratificação com caráter salarial, a reclamada não poderia aplicar ao caso dos autos, o regramento do ilícito contrabandeado para CLT (parágrafo segundo do artigo 457 celetista) por força da lei 13.467/17, pelo simples fato de que o caráter salarial deste da premiação ter a ele aderido, sendo justa a condenação patronal ao pagamento dos reflexos sobre (gratificação natalina, férias+1/3, FGTS+40% e aviso-prévio) das importâncias lançadas nos holerites do autor, sob a rubrica “Prêmio- Lei nº 13.467” ou qualquer outra rubrica sobre as quais não houve reflexos sobre tais verbas.
II. Os conceitos de salário, manejados pelos mais diversos autores de Direito do Trabalho, acentuam a complexidade de parcelas constitutivas. Para O. GOMES & E. GOTTSCHALK, “são as atribuições econômicas devidas e pagas diretamente pelo empregador ao empregado, como contraprestação do serviço”. C. M. CATHARINO define como “contraprestação devida a quem põe seu esforço pessoal à disposição de outrem em virtude do vínculo jurídico de trabalho contratual ou intuído” e utiliza a expressão “complexo salarial”, pois é composto por diversas parcelas.
No magistério de AMAURI MASCARO, “salário é a totalidade das percepções econômicas dos trabalhadores, qualquer que seja a forma ou meio de pagamento, quer retribuam o trabalho efetivo, os períodos de interrupção do contrato e os descansos computáveis na jornada de trabalho”.
Pela importância que possui o salário na ossatura institucional de nossa organização social, compõe-se, de regra, de diversas frações econômicas, todas com natureza salarial (comissões, adicionais, prêmios etc). Há importância de reconhecimento do caráter salarial em razão do efeito expansionista circular dos salários: todo o complexo salarial deve ser observado para pagamento de verbas reflexas e servir de base para cálculo de contribuições previdenciárias, FGTS e outros recolhimentos que possuem o salário como referência.
Por toda a importância que tem o salário, não se admite que a natureza das importâncias alcançadas pelo empregador ao empregado seja definida nem pela força da semântica, nem pela vontade patronal imposta.
Destarte, caso Vossa Exa. entenda que o caráter salarial das premiações / gratificações pagas ao autor não aderiu ao seu contrato de trabalho, o que se admiti tão apenas por cautela da banca de advogados que o assiste, é certo que a não integração na remuneração das parcelas relacionadas no art. 457, §§ 2º e 4º da CLT, só poderia se dar em situações excepcionais ao cotidiano da relação de emprego, o que não foi o caso dos autos, porquanto, a reclamada, em especial nos últimos sete meses do contrato de trabalho (mas não só), passou a lançar parte importante da remuneração do referido trabalhador, em seus holerites, como se trata-se do prêmio previsto na Lei da Deforma (Lei 1.3.467/17) e não pagar os reflexos desta sobre as demais verbas aqui em comento (gratificação natalina, férias+1/3, FGTS+40% e aviso-prévio).
Assim, de forma sucessiva, caso Vossa Exa. entenda não caracterizada a aderência ao contrato de trabalho do autor pretendida no ponto anterior, uma vez que o pagamento de valores sob a rubrica “Prêmio – Lei 13.467” não se deu por força de situação excepcional, mas tão apenas em decorrência da situação normal do contrato de trabalho, pelas tarefas cotidianas do autor, os valores pagos sob tal rubrica, ou qualquer outra a ela equivalente e que não refletiram sob as referidas verbas, devem refletir sobre os salários trezenos, FGTS+40%, férias+1/3 e aviso prévio.
III. Ademais, ainda que mesmo assim V. Exa. continue não entender o caráter salarial dos valores sob a rubrica “Prêmio – Lei 13.467” (ou a outra a ela equivalente, pelas razões já apontadas no item 03 desta Exordial, a Lei 13.467/17 é inconvencional e, portanto, pelo controle de convencionalidade difuso já requerido, não deve ser aplicada ao autos, com o que, por conseguinte, não restariam dúvidas acerca do caráter salarial da referida verba.
Além do mais, salvo melhor juízo axiológico, a expressão “ainda que habituais” inserta no § 2º do art. 457 da CLT generaliza e equipara parcelas de natureza jurídica distintas, convertendo todas em indenizatórias, a despeito da habitualidade no pagamento.
A prevalecer a interpretação literal da referida norma, a folha de salários, base de incidência de integração salariais e da contribuição social, terá um custo tributário menor para as partes integrantes da relação de trabalho, com impacto financeiro negativo diretamente proporcional na arrecadação e financiamento da seguridade social.
Todavia, da análise do digitado dispositivo, mormente a expressão “ainda que habituais”, observa-se que ela não encontra fundamento de validade ao ser interpretada à luz dos artigos 195, I, “a” e 201, caput e § 11 da Constituição Federal/88.
Rezam os referidos dispositivos:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
[...]
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e [...]
§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei. (g.n.)
Reforça essa conclusão a decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 565.160-SC, na qual a Corte Constitucional reconheceu a repercussão geral do tema, e esclareceu o alcance da expressão “folha de salários”, para fins de incidência da contribuição social contida no art. 195, I, “a” da Constituição Federal.
Da análise do acórdão unânime publicado no DJE do dia 23/08/2017, da lavra do MIN. MARCO AURÉLIO, e a partir da fundamentação convergente dos votos dos demais ministros, pode-se concluir que expressão “folha de salários” contida no art. 195, I, “a” deve ser interpretada conjuntamente com o disposto no caput do art. 201 e no seu §11, para retirar do texto constitucional a interpretação que melhor assegure a sustentabilidade do RGPS, mediante a preservação do seu equilíbrio financeiro e atuarial.
Pela importância do julgado para o presente caso, destaca-se alguns excertos dos votos proferidos pelos ministros quando do julgamento deste recurso,
Disse o MINISTRO RELATOR MARCO AURÉLIO:
[...] Se, de um lado, o artigo 195, inciso I, [..] disciplinava, [...] o cálculo da contribuição devida pelos empregadores a partir da folha de salários, estes últimos vieram a ser revelados, quanto ao alcance, pelo citado [...] § 11 – do artigo 201. Pelo disposto, remeteu-se à remuneração percebida pelo empregado, ou seja, às parcelas diversas satisfeitas pelo tomador dos serviços, exigindo-se, apenas, a habitualidade[...]. (destaque deliberado)
Já o MINISTRO LUIZ FUX aduziu:
[...] Da interpretação conjunta entre os dois dispositivos, artigo 201, caput e § 11 e artigo 195, inciso I, “a”, da Constituição, extrai-se que só deve compor a base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador aquelas parcelas pagas com habitualidade, em razão do trabalho, e que, via de consequência, serão efetivamente passíveis de incorporação aos proventos da aposentadoria (g.n.)
[...]
Destaque-se, por fim, que descabe a esta Corte definir a natureza indenizatória ou remuneratória de cada parcela, eis que tal discussão não possui status constitucional, conforme amplamente vem sendo reconhecido pela jurisprudência. Compete tão somente a este colegiado a interpretação dos dispositivos constitucionais em relação ao tema, de modo que deles só é possível extrair a necessidade de pagamento com habitualidade e em decorrência da atividade laboral, para fins de delimitação da base de cálculo da contribuição previdenciária do empregador e consequente interpretação do conceito de “folha de salários”. (g.n.)
Citando a doutrina de Leandro Pausen (2014), argumentou o MIN. ALEXANDRE DE MORAES ao citar o princípio da habitualidade:
[...] Requisito da habitualidade. O § 4º do art. 195 já alargava o conceito de salário para fins de incidência da contribuição. Vejamos sua redação, com a (…). Tem-se, pois, que o conceito de salário recebeu a extensão dada pelo próprio texto constitucional, que compreendeu no mesmo os ganhos habituais do empregado, a qualquer título. Não há, nem havia, pois, como restringir a incidência, mesmo no período anterior ao advento da EC 20/98, ao conceito estrito de salário, mas a tal conceito com a incorporação prevista no então § 4º do art. 201[...].
Do voto do MIN. NELSON FACCHIN, constou:
[...] a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de considerar o elemento salarial como gênero da dimensão remuneratória, logo compõem a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal os ganhos habituais do empregado. [...] Isso porque as expressões contidas no art. 195, I, da Constituição da República, demandam interpretação ampliativa por parte desta Suprema Corte, aos fundamentos da solidariedade geral e do objetivo de diversidade da base de financiamento por parte da Seguridade Social [...].(destaque deliberado)
Em seu voto, o MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO propôs a seguinte ementa:
1. Mesmo antes da edição da EC 20/1998, já era possível extrair da Constituição que a regra de competência para instituição da contribuição não estava adstrita ao conceito trabalhista de salário. Ao contrário, é a própria Constituição que estabelece que os valores habituais pagos ao empregado devem ser incorporados ao conceito de salário para efeito de contribuição previdenciária. [...].
3. Nesse ponto, a alteração promovida pela EC 20/1998 teve o mero efeito de explicitar algo que já era extraível anteriormente da Constituição, ou seja, a possibilidade de se atingir verbas que não se amoldem ao conceito estrito de salário, desde que tenham natureza remuneratória e sejam pagas habitualmente.
4. Recurso extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese de repercussão geral: “o art. 22, I da Lei 8212/91 é constitucional, devendo a contribuição previdenciária do empregador incidir sobre verbas decorrentes diretamente da relação de trabalho, pagas habitualmente e em virtude da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador [...] (g.n.).
Do resultado do julgado, restou firmada a seguinte tese para fins de repercussão geral:
“A contribuição social, a cargo do empregador, incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20 de 1998.”
A partir da interpretação do Supremo Tribunal Federal, observa-se que a expressão “ainda que habituais” colide com o texto constitucional destacado. Assim, de acordo com o § 11º do art. 201, se o trabalhador perceber, pelo labor em favor de terceiro, ganhos habituais, a qualquer título, serão esses incorporados ao salário.
Destarte, para o texto constitucional mencionado, não importa o título atribuído pelo empregador à parcela. Para ter natureza jurídica salarial, basta que ela seja habitual e decorrente de trabalho prestado por conta alheia.
Tal interpretação ainda encontra amparo no caput do art. 201 da Carta Maior. Caso se admita, em tese, a aplicação literal do disposto no § 2º do art. 457 da CLT, haverá uma diminuição da arrecadação da contribuição previdenciária, na medida em que subterfúgios poderão ser utilizados pelos integrantes da relação laboral para desvirtuar a natureza jurídica da parcela paga, fato esse que provocará o desequilíbrio financeiro e atuarial do RGPS.
Destaque-se que o princípio-mor da previdência social é o da solidariedade intergeracional, em que uma geração de trabalhadores em atividade contribui para com os benefícios percebidos pela geração em inatividade. Chancelar sem filtro constitucional a nova regra celetista é permitir que os já escassos recursos da previdência Social possam ser ainda mais reduzidos, comprometendo de forma irresponsável os futuros benefícios dos que hoje contribuem com o sistema.
Por conseguinte, por estar em conflito, conforme demonstrado no decorrer deste ponto 14 desta Exordial, com o comando dos artigos 195, I, “a” e 201, caput e § 11 da Constituição Federal/88, por meio de controle de constitucionalidade difuso, requer tenha a aplicação afastada no caso dos autos o regramento insculpido no § 2º do art. 457 da CLT, a ela inserido por força da Lei 13.467/2017.
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