O texto abaixo de lavra de Sua Exa. Valdete Souto Severo, extraída de sentença por ela proferida nos autos do processo 0020130-36.2018.5.04.0004. Ele traz um belo escólio sobre o tema prescrição trabalhista.
A Constituição garante aos trabalhadores brasileiros o direito fundamental de propor ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, estabelecendo "prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho". Garante, também, "relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa". Trata-se de direitos fundamentais com direta relação entre si. A partir do momento em que a nova ordem constitucional garante proteção efetiva contra despedida arbitrária ou sem justa causa, é razoável que durante a execução do vínculo haja um prazo para que a parte exerça suas pretensões, a fim de que seja resguardada a paz social, principal argumento para a existência do instituto da prescrição. Ocorre que a jurisprudência dominante, e bem assim a maior parte da doutrina, vêm negando eficácia plena e imediata ao inciso I do art. 7º da Constituição e, por consequência, chancelando um suposto direito absoluto do empregador, de pôr fim ao vínculo de emprego, sem sequer informar o motivo de seu ato. Ora, se o empregador tem direito de extinguir o vínculo de emprego quando quiser, sem precisar motivar seu ato, não é razoável que os créditos por ele não adimplidos durante o vínculo estejam sujeitos à prescrição. O raciocínio não é novo. Márcio Túlio Viana já o defende há algum tempo, ao argumento de que o princípio da proteção se justifica pela existência do inegável poder social, que um dos contratantes exerce sobre o outro. Esse poder acarreta, dentre tantas disparidades, a circunstância objetiva de que durante o contrato, qualquer ato do empregado pode ensejar a perda do posto de trabalho. Posto que, via de regra, é a exclusiva fonte de sobrevivência do trabalhador. É o seu modo de ser-no-mundo. É o espaço onde passa a maior parte do seu tempo acordado. É o lugar em que tem amigos, obrigações, desafios e afetos. Por isso, a perda do trabalho tem características tão distintas, para o empregado e para o empregador. Também por isso, é falacioso afirmar que a pretensão ao pagamento de qualquer verba trabalhista pode ser exercida durante o curso do contrato. Não pode. Todos sabemos disso, mas calamos diante de uma suposta unívoca compreensão do texto de lei. Ocorre, entretanto, sistematizar as normas trabalhistas, buscando aplicá-las de modo a fazer valer o princípio da proteção, expressado em termos constitucionais como valorização social do trabalho. E o único modo de fazê-lo é contando o prazo de prescrição apenas a partir do término da relação de emprego, quando o empregado passa a ter a possibilidade real (e não apenas retórica) de buscar junto ao Poder Judiciário, a satisfação de seus créditos. Nesse sentido vem entendendo a jurisprudência italiana que, em decisão paradigmática da Corte Constitucional (sentença n. 63, de 10 de junho de 1966), declarou a inconstitucionalidade das normas acerca da prescrição, contidas no Código Civil de 1942, para o efeito de concluir não haja prazo prescricional em curso durante o período de vigência de contrato de trabalho não contemplado com a tutela real, ou seja, com a verdadeira e efetiva garantia contra a perda do posto de trabalho. A existência mesma de contrato de trabalho em curso constitui, assim, causa de impedimento do curso da prescrição. Na aludida decisão, a Corte Constitucional Italiana faz afirmação que serve com exatidão à realidade brasileira: "Não existem obstáculos jurídicos que impeçam de fazer valer o direito ao salário. Existem, todavia, obstáculos materiais, isto é, a situação psicológica do trabalhador, que pode ser induzido a não exercitar o próprio direito pelo mesmo motivo pelo qual muitas vezes é levado à sua renúncia, isto é, pelo temor da dispensa; de modo que a prescrição, fluindo durante a relação de emprego, produz exatamente aquele efeito que o art. 36 pretendeu coibir proibindo qualquer tipo de renúncia: mesmo aquela que, em particulares situações, pode se encontrar implícita na ausência do exercício do próprio direito e, portanto, no fato que se deixe consumar a prescrição". No Brasil, a necessidade de valorização social do trabalho como fundamento da República e a cláusula expressa no art. 9º da CLT, que torna nulos quaisquer atos tendentes a suprimir, fragilizar ou mitigar direitos trabalhistas, determina a compreensão de que a restrição ao direito fundamental de ação contido no art. 7º, XXIX, da Constituição, se opera apenas nas hipóteses em que exista efetiva garantia de manutenção do emprego, sob pena de estarmos (como estamos!) chancelando diariamente renúncia de crédito alimentar, em afronta clara e incontornável ao que estabelecem os artigos 100, § 1º-A, da Constituição e 1.707, do Código Civil. Essa compreensão decorre de um olhar para o ordenamento jurídico como sistema, cujo escopo é fazer prevalecer os valores eleitos como essenciais em determinado Estado. É, também, fazer prevalecer "a justiça" como um dos "valores supremos de uma sociedade fraterna", na dicção do preâmbulo do nosso texto constitucional. Nesse sentido, também, são os enunciados aprovados pela Comissão 2 - Relações coletivas de trabalho e democracia, do XV CONAMAT, realizado em Brasília-DF, entre os dias 28 de abril e 1º de maio deste ano: "PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CONTRA A DISPENSA ARBITRÁRIA (artigo 7o, I, CF). NÃO-REGULAMENTAÇÃO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL: INAPLICABILIDADE. Considerando que a prescrição não é um "prêmio" para o mau pagador, enquanto não aplicado efetivamente o direito de proteção contra a dispensa arbitrária previsto no inciso I do art. 7 da CF, que gera ao trabalhador a impossibilidade concreta de buscar os seus direitos pela via judicial, não se pode considerar eficaz a regra do inciso XXIX do artigo 7, no que se refere à prescrição que corre durante o curso da relação de emprego. Por isso, enquanto não conferirmos efetividade plena ao artigo 7, I, da CF/88, não se pode declarar a prescrição quinquenal." Por todos esses fundamentos, entendo que, enquanto não garantida a plena eficácia do sistema de garantia contra a despedida arbitrária de que cogita o art. 7° da Constituição, a vigência do contrato de emprego constitui elemento impeditivo ao fluxo do prazo prescricional, cuja contagem, portanto, tem início tão-somente após o rompimento da relação. Em decorrência, não sendo possível tampouco cogitar acerca da prescrição bienal de que trata a Constituição, inexiste prescrição a ser pronunciada no caso em apreço.
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