NOTA TÉCNICA SOBRE A POSSIBILIDADE - NECESSIDADE DA IMPLANTAÇÃO DAS 30 HORAS PARA TODA UNIVERSIDADE E NÃO APENAS PARA SETORES OU DETERMINADOS TRABALHADORES
Nota
Técnica nº 13/2014
(Florianópolis,
13 de outubro de 2014)
Instituições
federais de ensino superior. Manutenção da jornada de trabalho
prestada em turnos ininterruptos. Viabilidade jurídica. Reflexos
sobre os servidores lotados nos diversos setores da instituição.
1.
Introdução
A
FASUBRA nos solicita a emissão de uma Nota Técnica, versando sobre
as recentes iniciativas adotadas pelo Sr. Secretário de Educação
Superior do MEC, consubstanciadas no Oficio-Circular SESu/GAB/MEC/Nº
15, de 15 de julho passado, enviado aos Magníficos Reitores das
Universidades Federais, mediante o qual a referida autoridade orienta
no sentido destes atentarem para o que contido no Decreto nº 1.590,
de 1995, evitando que as autarquias cometam irregularidades no
tocante à “flexibilização da jornada de trabalho” dos seus
servidores.
Informa,
neste sentido, que a iniciativa acima vem gerando celeuma no âmbito
das Universidades, não sendo raros os casos de Reitores que, a
partir das orientações contidas no referido Oficio-Circular
SESu/GAB/MEC/Nº 15/2014, têm concluído pela impossibilidade da
manutenção da jornada de trabalho por turnos ininterruptos,
prevista no art. 3º, do Decreto nº 1590, de 1995, com as
modificações que lhe foram introduzidas pelo Decreto nº 4.836, de
2003, há anos adotada na maioria das universidades brasileiras.
2.
Mérito
Para
que possamos adentrar com mais clareza no tema objeto do presente
estudo, cumpre relembrar o conteúdo de alguns dispositivos
constitucionais, legais e infralegais, haja vista a importância que
possuem para a perfeita análise da situação em exame, a começar
pelo que estabelece o art. 7º, da Constituição Federal, que soa:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;” (grifamos)Referido dispositivo aplica-se também aos servidores públicos, consoante determina o art. 39, § 3º, da Carta da República, que em razão das modificações feitas pela Emenda Constitucional nº 19/98, tem hoje a seguinte redação:
“Art. 39 – (...)
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.” (os destaques são nossos)
Este mesmo art. 39, em seu § 7º, traz a seguinte determinação:
“Art. 39 – (...)
§ 7º Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade.”
Percebe-se
inequivocamente, desta forma, que a Constituição Federal de 1988
(com a alteração que lhe foi imposta pela Emenda nº 19, de 1998),
não só procurou aproximar os servidores públicos dos trabalhadores
da iniciativa privada, no tocante a boa parte dos direitos sociais
previsto em seu artigo 7º,
como também quis se afastar da anterior postura apenas
“disciplinar”, que até então marcava a administração da força
de trabalho nos órgãos e entidades da administração pública, em
que a preocupação maior era quase que exclusivamente fazer com que
o servidor cumprisse rigorosamente a jornada do cargo ocupado, e não
que este fosse instado – e cobrado -, pelo efetivo desempenho das
atribuições do cargo, independentemente deste cumprimento ocorrer
em jornada diversa daquela inicialmente fixada em lei.
Neste
sentido vejamos o que define o art. 19, da Lei nº 8.112, de
11.12.90, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 8.270, de
17.12.1991:
“Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente.”
Veja-se
que o referido art. 19 - mesmo diante do fato da imensa maioria dos
cargos públicos federais terem jornada de trabalho de 40 (quarenta)
horas semanais –, permite expressamente que esta possa ser prestada
tomando-se como parâmetros o mínimo de 30 (trinta) e o máximo de
40 quarenta) horas semanais, e o mínimo de 6 (seis) e o máximo de 8
(oito) horas diárias, tudo em busca do cumprimento dos princípios
constitucionais da supremacia
do interesse público e
da eficiência
administrativa.
Com
efeito, o Regime Jurídico Único de que trata a Lei nº 8.112, de
1990, já previa outras situações específicas, em relação às
quais a administração também poderia
dispensar tratamento próprio à questão da jornada, como é o caso
dos seguintes dispositivos:
“Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo.”
“Art. 209. Para amamentar o próprio filho, até a idade de seis meses, a servidora lactante terá direito, durante a jornada de trabalho, a uma hora de descanso, que poderá ser parcelada em dois períodos de meia hora.”
Aliás, mesmo quando a norma legal em comento trata do controle de freqüência dos servidores públicos ao serviço, adota critério relativamente maleável, senão vejamos, sempre remetendo à autoridade pública a prerrogativa (em juízo discricionário) de escolher a forma que melhor atenda ao interesse público:
“Art. 44. O servidor perderá:
I - a remuneração do dia em que faltar ao serviço, sem motivo justificado;
II - a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as concessões de que trata o artigo 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de compensação de horário, até o mês subseqüente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia imediata;
Parágrafo único. As faltas justificadas decorrentes de caso fortuito ou de força maior poderão ser compensadas a critério da chefia imediata, sendo assim consideradas como efetivo exercício.” (os grifos são nossos).
Assim
é que em agosto de 1995 era editado o Decreto nº 1.590,
regulamentando a prestação da jornada de trabalho dos servidores
federais, fazendo-o a partir dos seguintes pressupostos:
“Art. 1º. A jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais, será de oito horas diárias e:
I - carga horária de quarenta horas semanais, exceto nos casos previstos em lei específica, para os ocupantes de cargos de provimento efetivo;”
Com
efeito, uma primeira leitura menos cuidadosa do disposto no art. 1º
do
ato regulamentar em comento pode indicar um retorno à antiga visão
rígida e conservadora acerca da prestação da jornada laboral, haja
vista que já em seu primeiro artigo o diploma em questão reitera -
a nosso ver desnecessariamente -, a obrigação de cumprimento da
jornada do cargo, prevista em lei, ainda que este “axioma”
estivesse em confronto com a introdução, na máquina pública, dos
conceitos de eficiência
e
eficácia
professados
pela chamada “Reforma Administrativa”, levada a termo naquele
mesmo ano.
Uma
leitura mais criteriosa daquele ato regulamentador, contudo, nos
permitirá extrair importantes precedentes no sentido da adaptação
da jornada de trabalho às peculiaridades e sobretudo às
necessidades dos órgãos e entidades da administração pública,
como se colhe dos seus artigos 2o,
e 3o,
assim vasados:
“Art. 2º. Para os serviços que exigirem atividades contínuas de 24 horas, é facultada a adoção do regime de turno ininterrupto de revezamento.”
“Art. 3º. Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas em período igual ou superior a quatorze horas ininterruptas, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores que trabalham no período noturno a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições.
§ 1º. Entende-se por período noturno aquele que ultrapassar as 21 horas.
§ 2º. Os dirigentes máximos dos órgãos ou entidades farão publicar no Diário Oficial da União, a cada seis meses, a relação e a jornada de trabalho dos servidores aos quais se aplique o disposto neste artigo.” (grifamos)
Percebe-se
claramente, assim, que os dispositivos suso referidos fixam 2 (duas)
diferentes possibilidades para o administrador fixar o cumprimento da
jornada de trabalho em período diverso do previsto em lei, sempre
observando, evidentemente, os limites de que trata o art. 19, da Lei
nº 8.112, de 11.12.90, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº
8.270, de 17.12.1991, a saber:
a)
Quando os serviços que exigirem
atividades contínuas de 24 horas,
poderá adotar o regime de turno
ininterrupto de revezamento;
e,
b)
Quando os serviços exigirem atividades
contínuas de
regime de turnos ou escalas em
período igual ou superior a quatorze horas ininterruptas,
poderá optar pela fixação da jornada
ininterrupta de trabalho de seis horas diárias e
carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso,
dispensar o intervalo para refeições.
Esta
linha de conduta administrativa fica ainda mais clara nos arts. 5o,
6o
e
9o,
da referida norma, assim redigidos:
“Art. 5º. Os Ministros de Estado e os dirigentes máximos de autarquias e fundações públicas federais fixarão o horário de funcionamento dos órgãos e entidades sob cuja supervisão se encontrem.
§ 1º. Os horários de início e de término da jornada de trabalho e dos intervalos de refeição e descanso, observado o interesse do serviço, deverão ser estabelecidos previamente e adequados às conveniências e às peculiaridades de cada órgão ou entidade, unidade administrativa ou atividade, respeitada a carga horária correspondente aos cargos.
§ 2º. O intervalo para refeição não poderá ser inferior a uma hora nem superior a três horas.” (destacamos)
“Art. 6º. O controle de assiduidade e pontualidade poderá ser exercido mediante:
(...)
§ 6º. Em situações especiais em que os resultados possam ser efetivamente mensuráveis, o Ministro de Estado poderá autorizar a unidade administrativa a realizar programa de gestão, cujo teor e acompanhamento trimestral deverão ser publicados no Diário Oficial da União, ficando os servidores envolvidos dispensados do controle de assiduidade.” (o grifo é nosso).
É
de concluir, então, que já ao editar o Decreto nº 1.590, de 1995,
o então Presidente da República desejava, de um lado, reiterar a
obrigação do servidor cumprir exatamente a jornada de trabalho
prevista para o respectivo cargo, enquanto do outro permitia aos
gestores a adequação do cumprimento desta jornada às
peculiaridades e necessidades de cada órgão público.
Nunca
é demais lembrar – sobretudo para aqueles que equivocadamente
atribuem caráter restritivo ao Decreto em questão –, que de fato
compete ao Sr. Presidente da República regulamentar, no âmbito da
Administração Federal, as normas legais à ela aplicáveis, o que
não significa dizer que esta regulamentação poderia contrariar o
sentido da lei de regência, sob pena de claro ferimento ao princípio
da legalidade.
De
qualquer sorte, é de realçar que o debatido Decreto nº 1.590, de
1995, foi posteriormente alterado pelo Decreto nº 4.836, de 9 de
setembro de 2003, cujo artigo 1º assim veio definir de forma mais
clara:
“Art. 1º O art. 3º do Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 3º Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições.
§ 1o Entende-se por período noturno aquele que ultrapassar às vinte e uma horas.
§ 2o Os dirigentes máximos dos órgãos ou entidades que autorizarem a flexibilização da jornada de trabalho a que se refere o caput deste artigo deverão determinar a afixação, nas suas dependências, em local visível e de grande circulação de usuários dos serviços, de quadro, permanentemente atualizado, com a escala nominal dos servidores que trabalharem neste regime, constando dias e horários dos seus expedientes." (grifamos)
Veja-se
que a modificação imposta ao art. 3º, do Decreto nº 1.590, de
1995, introduz claramente uma das finalidades da chamada
“flexibilização da jornada de trabalho”, de especial interesse
para a situação em exame, qual seja o atendimento
ao público nos
órgãos e entidades da administração federal, de tal sorte que se
este atendimento exigir que este órgão ou entidade funcione em
período igual ou superior a 12 horas ininterruptas, o respectivo
gestor estará autorizado a fixar a jornada dos servidores em 6
(seis) horas diárias.
Pois
bem, à vista desta nova redação o Ministério da Educação
editou, em 4.12.2008, a Portaria nº 1.497, assim estabelecendo em
seu art. 1º, in
verbis:
“O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições e tendo em vista o disposto no artigo 3º do Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995, com redação dada pelo Decreto n° 4.836, de 9 de setembro de 2003, resolve:
Art. 1º Delegar competência ao Secretário Executivo deste Ministério, vedada a subdelegação, para autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições, exclusivamente quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno.
Parágrafo único. Para a flexibilização da jornada de trabalho a que se refere o caput deste artigo exigir-se-a afixação, nas dependências da repartição, em local visível e de grande circulação de usuários dos serviços, de quadro, permanentemente atualizado, com a escala nominal dos servidores que trabalharem neste regime, constando dias e horários dos seus expedientes.” (destacamos)
Percebe-se,
assim, que tanto os Decretos em questão quanto a Portaria suso
transcrita tiveram a preocupação de adotar a expressão “serviços
que
exigirem atividades contínuas”, para
designar aquelas situações em que haveria a possibilidade de adoção
de turnos ininterruptos de trabalho e jornada reduzida, o que deixa
evidente que a pré-condição para a fixação da jornada
flexibilizada
é
que as atividades desempenhadas por aquele específico órgão ou
entidade, exijam período igual ou superior a 12 (doze) horas
ininterruptas. Não se fala, pois, em atribuições de cada cargo,
isoladamente, mas atribuições do órgão ou entidade!
Evidente,
pois, que não se trata dos serviços
prestados por
um servidor ou por determinado local de trabalho (unidade), até
porque se assim o fosse o pedido de flexibilização (adoção de
jornada reduzida), fundado no referido art. 3º, do Decreto em
questão, chegaria ao cúmulo de ser individualizado, ou seja,
poderia ser requerido por um determinado servidor, em particular,
ainda que a instituição em que este trabalha funcione em horário
comercial, o que evidentemente não é o espirito da citada norma
regulamentar.
O
dirigente máximo deste órgão ou entidade, assim, primeiro deve
verificar se a prestação dos serviços públicos a seu encargo pode
ser realizada - sem prejuízo do interesse
público -,
em
horário meramente comercial, caso em que a jornada a ser fixada
deverá ser aquela prevista em lei, ou seja, geralmente de 8 (oito)
horas diárias, com intervalo para refeição. Já se a conclusão
for no sentido de que as atribuições do órgão ou entidade exigem
uma prestação continuada dos serviços públicos, por período
igual ou superior a 12 (doze) horas diárias, este gestor poderá
(deverá) fixar o cumprimento da jornada em turnos ininterruptos de 6
(seis) horas diárias.
Fica
claro, desta forma, que o permissivo à flexibilização
da
jornada de trabalho dos servidores, contida no Decreto em análise, é
apenas o desdobramento lógico de uma necessidade - verificada pelo
dirigente máximo de cada instituição pública –, de assegurar o
funcionamento do respectivo órgão ou entidade em período diverso
(e mais dilatado) do que o horário comercial, o que apenas se
justifica diante das características específicas de cada órgão ou
entidade, e não em face das atribuições de um determinado cargo
público ou dos variados setores de trabalho que compõem aquela
repartição.
Ora,
é sabido por todos que em grande parte das universidades federais
brasileiras o ensino e a pesquisa são ministrados nos períodos
matutino, vespertino e noturno, este último normalmente até as 22
(vinte e duas) horas, situação esta que persiste há décadas,
tendo levado seus respectivos gestores – mesmo ausente as regras
regulamentares aqui debatidas -, a fixarem a jornada de seus
servidores em 30 (trinta) horas semanais, única capaz de viabilizar
o funcionamento de forma ininterrupta.
Com
o advento do Decreto nº 1.590, de 1995 - e sobretudo após as
modificações nele introduzidas pelo Decreto nº 4.836, de 2003 -,
não há dúvidas sobre a competência dos Reitores destas
universidades para a regular fixação da prestação funcional em
jornada de turnos ininterruptos de 6 (seis) horas diárias.
Algumas
autoridades públicas, contudo, tem suscitado o seguinte
questionamento: encontrando-se o órgão ou entidade perfeitamente
enquadrado nos limites disciplinados no art. 3º, do Decreto nº
1.590, de 1995 (com as modificações nele introduzidas pelo Decreto
nº 4.836, de 2003), a fixação da jornada de trabalho de 6 (seis)
horas deve ocorrer em relação a todos os servidores vinculados a
este órgão ou entidade; ou deve ser definida a partir das
atividades desenvolvidas por cada setor que o integra, de modo a se
verificar se estas exigem a prestação continuada, por período
igual ou superior a 12 (doze) horas diárias.
Ora,
já tivemos a oportunidade de afirmar que o ato regulamentador em
debate se dirige ao órgão
ou entidade (aqui
as universidades federais), e não ao servidor, isoladamente, ou às
atribuições do cargo por ele ocupado, sendo este órgão ou
entidade que deve prestar serviços públicos em período igual ou
superior a 12 (doze) horas diárias, desinteressando as situações
individuais de cada um dos seus servidores ou até mesmo a situação
particular de cada uma de suas unidades. Logo, partindo-se deste
postulado, são pelo menos 2 (dois) os aspectos jurídicos a serem
levados em conta para uma manifestação final sobre este específico
aspecto, quais sejam:
a)
Se os serviços prestados pelas universidades federais brasileiras
podem ser compartimentalizados e isolados, a tal ponto de fixar-se a
jornada flexibilizada de trabalho em relação a alguns servidores
administrativos e não em relação a outros, e sem que tal medida
importe em ferimento aos princípios constitucionais da eficiência,
da
eficácia,
e
da razoabilidade;
b)
Se a convivência entre servidores beneficiados pela jornada
flexibilizada de 6 (seis) horas ininterruptas, com servidores
mantidos sob jornada de 40 (quarenta) horas semanais, é melhor ou
pior para a instituição, ou seja, se atende ou não aos princípios
constitucionais da eficiência,
da
eficácia,
e
da razoabilidade;
Atentando-se
para o primeiro aspecto acima suscitado, é de realçar que a
prestação dos serviços públicos - notadamente na área da
educação, como aqui se trata -, exige a contribuição direta das
mais variadas categorias profissionais e funcionais, atuando todas,
de forma harmônica e coletiva, para a obtenção do resultado final.
As atividades desempenhadas pelos docentes e servidores
administrativos, assim, hão de ser integradas, assim como integradas
devem ser as atividades dos servidores administrativos, entre si.
Desta
forma, uma vez que se constate que determinada universidade precisa
permanecer em funcionamento por 12 (doze) horas ininterruptas, ou
mais, é evidente que esta necessidade – em ultima análise um
interesse
público -,
espalha seus efeitos sobre todos os servidores que a integram,
exigindo uma organização administrativa integrada, de modo que a
falta de um não venha a prejudicar o trabalho de outro.
É
o que temos em inúmeras universidades brasileiras, que funcionam há
décadas em regime
de turnos ininterruptos,
iniciando suas atividades em torno das 7h (sete horas) da manhã e
finalizando-as em torno das 22h e 30min (vinte e duas horas e trinta
minutos), sendo que durante estas mais de 15 (quinze) horas de
funcionamento ininterrupto
a instituição precisa estar preparada para prestar todos os
serviços públicos que dela podem ser exigidos, aí incluídos,
evidentemente, não só aqueles voltados diretamente à docência e à
pesquisa, mas igualmente os relacionados à manutenção da estrutura
administrativa necessária para dar suporte às atividades
finalísticas da instituição.
A
biblioteca da instituição, por exemplo, precisa permanecer aberta
durante todo o período de funcionamento da mesma; a secretaria do
campus
precisa
estar disponível aos alunos e a todos quantos dela necessitem; o
setor de recursos humanos da instituição precisa estar funcionando
normalmente, de sorte a resolver problemas funcionais inesperados ou
mesmo a viabilizar o atendimento dos servidores e docentes que se
encontrarem em atividade em cada turno; os setores de manutenção
precisam estar disponíveis para quaisquer eventualidades, e assim
por diante.
Vale
frisar aqui, em arremate, que o poder
discricionário atribuído
ao gestor pelo disposto no art. 3º, do Decreto nº 1.590, de 1995,
deve ser visto como poder-dever,
ou seja, na medida em que se mostrem presentes as condições
dispostas no referido dispositivo, o gestor está obrigado a adotar a
solução por ele proposta, a não ser que demonstre que tal medida,
ao contrário de auxiliar a instituição a atingir o interesse
público, viria
em induvidoso prejuízo a este.
Pois
bem, vistas as questões acima alguns dirão, então: mas é possível
identificar um ou mais específicos setores desta hipotética
universidade, cujas atividades cotidianas não exijam seu
funcionamento nos 3 (três) turnos em que a instituição funciona, o
que é fato.
Nesta
hipótese, entretanto, o gestor há de levar em conta outros aspectos
que igualmente incidem sobre a situação, de modo a escolher o
caminho que melhor atenda ao interesse
público, mas
que também seja capaz de responder aos princípios constitucionais
da eficiência
e
da eficácia
administrativa, ao
tempo que faça gerar nos servidores o sentimento de
proporcionalidade
e
de razoabilidade,
indispensável
à boa gestão da instituição.
Chegamos,
então, ao segundo aspecto suscitado acima, para dizer que o Reitor,
ao reconhecer a necessidade de funcionamento da respectiva
universidade em períodos ininterruptos de pelo menos 12 (doze) horas
diárias e autorizar a flexibilização da jornada de trabalho de
seus servidores, há de ter em conta a necessidade de dotar sua
decisão do máximo de racionalidade e razoabilidade possíveis,
conceitos que guardam relação não com a sua ideia pessoal em torno
deles, mas da ideia que os administrados fazem da sua decisão.
Neste
sentido vejamos a cátedra do renomado mestre Agostín Gordillo,
in
litteris (1
Princípios Gerais de Direito Público, Ed. Revista dos Tribunais,
São Paulo, pág. 183): ”A
decisão discricionária do Poder Público será sempre ilegítima,
desde que irracional, mesmo que não transgrida explicitamente norma
concreta e expressa.”
É
que razoabilidade
e
proporcionalidade
são
princípios constitucionais que caminham lado a lado, um conferindo
apoio à realização do outro, como bem leciona o Ilustre Ministro
Gilmar Ferreira Mendes,
in
verbis (A proporcionalidade da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
Repertório IOB de Jurisprudência, nº23, 1994, pág. 473)
O problema da Justiça. Tradução de João Baptista Machado, Ed.
Martins Fontes, São Paulo, 1998: “...
um juízo definitivo sobre a proporcionalidade há de resultar da
rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o fim
atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador
(proporcionalidade ou razoabilidade no sentido estrito). O
pressuposto de adequação (Geeignetheit) exige que as medidas
interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos
pretendidos. O requisito de necessidade ou da exigibilidade
(Notwendigkeit oder Euforderichkelt) significa que nenhum meio menos
gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na
consecução dos objetivos pretendidos. Assim, apenas o que é
adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser
inadequado.” (sublinhamos)
Com
efeito, esta necessária proporcionalidade
já
era vista por Hans Kelsen como
impositiva á toda atividade estatal, naquilo que o notável mestre
convencionou chamar de “meio-termo aristotélico”, senão
vejamos: “...
como norma referida ao modo de tratar os homens, surge também o
preceito geral de comedimento, a idéia de que a conduta reta
consiste em não exagerar para um de mais e para um de menos, em
manter, portanto, o áureo meio-termo.” (destacamos)
Pois
bem, trazendo estes ensinamentos para a situação em exame, temos
que o ato administrativo que autoriza a prestação funcional em
jornada de 6 (seis) horas diárias, para a maioria dos servidores,
mas mantém a exigência de 8 (oito) horas para alguns específicos
servidores ou unidades da instituição, deve saber que estará
exigindo a convivência cotidiana de pessoas em tratamento funcional
distinto (desigual), fato este que - ainda que possa ser
justificável, do ponto de vista estritamente legal -, certamente
gerará descontentamentos resultantes do sentimento de
desproporcionalidade e desarrazoabilidade, de parte daqueles chamados
a cumprir jornada maior.
Destarte,
neste caso outro fator deveria necessariamente ser considerado pela
autoridade administrativa, qual seja aquele que nos informa que a
flexibilização da jornada de trabalho, com a redução da prestação
diária para 6 (seis) horas, acarreta melhoria nas condições de
vida dos servidores, que veem se descortinar diante de si maior tempo
para a vida familiar, para o lazer e para outros afazeres, o que
certamente interessa a todos.
Assim,
parece evidente que o ato administrativo que exclui desta melhoria
alguns servidores, não se mostrará apta a atingir os objetivos
pretendidos, uma vez que lhes impõe obrigação mais gravosa (do
ponto de vista pessoal) do que à maioria, importando, em ultima
análise, na geração de justificado descontentamento e na redução
final da eficiência
e
eficácia
que
se esperava do ato administrativo.
De
concluir, assim, que se a lei e o regulamento atinente à
flexibilização da jornada de trabalho se dirigem ao órgão ou
entidade, buscando nas necessidades deste a presença dos requisitos
indispensáveis ao exercício do referido juízo discricionário, e se
ao adotar as medidas respectivas o gestor é sabedor de que a geração
de eventuais e específicas diferenças de tratamento funcional
acarretará descontentamentos que dificultarão que a medida atinja a
plenitude dos seus objetivos, força é reconhecer que deve ele
adotar a flexibilização para todos os servidores e setores,
indistintamente, posto que do contrário estaria agindo em ferimento
aos princípios constitucionais de regência.
Por
fim, importa saber a quem compete o exercício da prerrogativa
inserida no art. 3º, do Decreto nº 1.590, de 1995, para o que
trazemos à luz, uma vez mais, o conteúdo do dispositivo
regulamentar em questão:
"Art. 3º Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições.” (grifamos)
A
competência, portanto, é do dirigente
máximo do órgão ou entidade,
expressões usualmente utilizadas, respectivamente, para designar
aquelas repartições que não detêm personalidade jurídica
própria, sendo vinculadas diretamente à União Federal
(Ministérios, por exemplo), ou que possuem personalidade jurídica
própria (fundações e autarquias, por exemplo).
Assim,
na medida em que as universidades federais constituem autarquias,
sendo dotadas de personalidade jurídica própria e – mais que isto
–, de autonomia administrativa, mostra-se evidente que aos seus
Reitores compete o exercício da prerrogativa esculpida no art. 3º,
do Decreto nº 1.590, de 1995, podendo esta eventualmente ser
delegada aos dirigentes dos variados campi
que
por vezes fazem parte daquela universidade.
Neste
sentido, aliás, cumpre trazer à colação o que decidido pela
Justiça Federal do Rio Grande do Sul nos autos da Ação Civil
Pública nº 2007.71.10.002359-8, mediante a qual o Ministério
Público Federal pretendia ver reconhecida a ilegalidade da Portaria
nº 536/2003, do Diretor do Centro
Federal de Educação Tecnológica de Pelotas (CEFET),
que
- fundado exatamente no Decreto nº 1.590, de 1995 -, entendeu por
bem de fixar a jornada de trabalho dos seus servidores em turnos
ininterruptos de 6 (seis) horas diárias: “Com
efeito, este ato aprovou o Regulamento de Flexibilização da Jornada
de Trabalho o qual foi editado, considerando
que as atividades dos servidores técnico-administrativos do CEFET
são desempenhadas de forma contínua em período superior a doze
horas ininterruptas, das 7 às 23 horas, seja em função de
atendimento ao público seja em função de o trabalho ser realizado
no período noturno (fls.
09/10 do anexo).
A
estipulação de turnos de trabalho aos servidores
técnico-administrativos é matéria de cunho organizacional e está
albergada pela autonomia administrativa de que goza o CEFET como
Autarquia que é.
Saliente-se
que o Regulamento de Flexibilização estipula de forma taxativa os
turnos de trabalho (artigo 4º) e ressalta que o expediente em todos
os setores da Instituição deverá ser ininterrupto e externo, não
sendo permitido o fechamento para serviços internos (artigo
7º). Constata-se, de plano, que a mudança de horário visa
proporcionar uma maior eficiência do serviço administrativo, não
existindo qualquer desvio de finalidade no ato. Pelo contrário, o
decreto está de acordo com a lei e com o interesse público.
(...)
Diante
do exposto:
Julgo
improcedente a ação, extinguindo
o processo com resolução do mérito com fulcro no artigo 269,
inciso I, do Código de Processo Civil.” (grifamos)
Submetida
a r. sentença de Primeiro Grau à apreciação do Egrégio Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, sobreveio a seguinte Ementa:
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REDUÇÃO DE JORNADA. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DO CEFET.
Não se afigura ilegal, nem afronta princípios constitucionais, a portaria exarada pelo diretor do CEFET, que reduz a jornada de trabalho dos servidores para 6 (seis) horas diárias, a ser realizada em turnos ininterruptos..
A medida prestigia o princípio da eficiência, sob o qual deve pautar-se toda a administração pública, não transcende a autonomia administrativa do Centro Federal de Tecnologia, além de atender o interesse da população, pois haverá atendimento em turnos contínuos e ininterruptos, das 7 às 23 horas.” (o destaque é nosso)
Pois bem, irresignado com o referido Acórdão, o Ministério Público dele recorreu através da interposição de Recurso Especial (ao STJ) e Extraordinário (ao STF), os quais receberam, respectivamente, os nºs 1.267.993, recebendo dos Tribunais de destino a seguinte solução, respectivamente:
“PROCESUAL CIVL EADMINSTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO. DIMNUIÇÃO SALRIAL. HIPÓTES DIVERSA DA CONTIDA NA MP N. 2.174-28/01. FUNDAMENTO SUFICENTE INATCADO. SÚMULA N.283/STF.
1. O Tribunal de origem entendeu pela legalidade da Portaria do CEFT pois, além de se tratar de medida que prima pela eficiência no serviço público, não transcende a autonomia administrativa do órgão. E conclui que, no tocante à obrigatoriedade da diminuição salarial, diante da redução da carga horária dos servidores, com base na MP n.2174-28/01, esta não se enquadra na à hipótese dos autos. Nas razões do apelo, verifica-se que a parte recorrente não rebateu tal fundamento, que é suficiente para manter o acórdão recorrido.
2. Aplica-se a Súmula n. 283 do Supremo Tribunal Federal, por analogia.
3. Recurso especial não conhecido.”
“DECISÃO: A parte ora recorrente, ao deduzir o presente recurso extraordinário, sustentou que o Tribunal “a quo” teria transgredido preceito inscrito na Constituição da República.
Cumpre ressaltar que a suposta ofensa ao texto constitucional, caso existente, apresentar-se-ia por via reflexa, eis que a sua constatação reclamaria – para que se configurasse – a formulação de juízo prévio de legalidade, fundado na vulneração e infringência de dispositivos de ordem meramente legal. Não se tratando de conflito direto e frontal com o texto da Constituição, como exigido pela jurisprudência da Corte (RTJ 120/912, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RTJ 132/455, Rel. Min. CELSO DE MELLO), torna-se inviável o acesso à via recursal extraordinária.
De
outro lado, o acórdão recorrido decidiu a controvérsia à luz dos
fatos e das provas existentes nos autos, circunstância esta que
obsta o próprio conhecimento do apelo extremo, em face do que se
contém na Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal.
Sendo
assim, e pelas razões expostas, não conheço do presente recurso
extraordinário.”
Como
se vê, até mesmo o Poder Judiciário, quando chamado a apreciar
exatamente as condições descritas no Decreto nº 1.590, de 1995,
tem decidido pela pertinência e legalidade da permissão nele
contida, a ser exercida pelo dirigente máximo do órgão ou
entidade.
4.
Conclusão
À
vista do exposto, somos do entendimento de que aos Magníficos
Reitores compete exercer o poder-dever
que
resulta do disposto no art. 19, da Lei nº 8.112, de 1990, c/c o art.
3º, do Decreto nº 1.590, de 1995 (com a redação dada pelo Decreto
nº 4.836, de 2003), de modo que, uma vez constatado que as
atividades exercidas pela universidade sob sua administração são
continuas, exigindo que a instituição esteja em funcionamento por
período igual ou superior a 12 (doze) horas ininterruptas, deve ser
instituída a jornada ininterrupta de trabalho, de 6 (seis) horas
diárias e 30 (trinta) horas semanais, dispensando-se o intervalo
para refeições.
Demais
disso, somos da conclusão de que uma vez instituída referida
jornada para grande parte dos servidores vinculados à respectiva
universidade, esta deve alcançar todos os servidores, em homenagem
aos princípios constitucionais da eficiência
e
eficácia
administrativa, da
razoabilidade,
e da proporcionalidade,
sendo
absolutamente incorreta a interpretação segundo a qual a menção a
serviços,
feita
logo na parte inicial do art. 3º, do Decreto nº 1.590, de 1995, se
voltaria ao exercício das atribuições de um determinado cargo
público ou de uma (ou poucas) unidades internas de uma universidade.
É
como opinamos. SMJ
De
Florianópolis para Brasília, em 15 de outubro de 2014
Luís
Fernando Silva – OAB/SC 9582
SLPG
Advogados Associados
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