Pular para o conteúdo principal

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: UMA MEDIDA FASCISTA

Por Adriano Espíndola Cavalheiro

Assim como Franz Kafka, que inicia (seu livro) Metamorfose, sem maiores rodeios, com a transformação de Gregor Samsa, o personagem principal de um drama surreal, em um besouro (para muitos numa barata), começo esse texto dizendo que sou totalmente contrário à proposta de redução da maioridade penal.

Explico-me.

Programas televisivos e radiofônicos, ao estilo daquele comandado pelo senhor Datena - que há poucos dias foi condenado por danos morais coletivos por intolerância religiosa - tomaram para si a bandeira da redução da maioridade penal e de ataques ao ECA (estatuto da criança e adolescente), apresentando-as à população como uma panaceia para diminuição a violência que toma conta as sociedade brasileira.

Entretanto, conforme artigo sobre o tema de Givanildo Manoel, militante da organização social Tribunal Popular, o ECA além de não ter culpa pela violência, ele nunca foi efetivamente implantado no Brasil, sendo uma lei que se fosse verdadeiramente efetivada, garantiria políticas preventivas que responderiam às necessidades da infanto-adolescência e, por consequência, da sociedade. Ao contrário, a lei, além de não ser implantada, foi sendo mudada para pior, não cumprindo o seu papel.

Os defensores da redução da maioridade penal, em vez de buscar respostas e soluções para salvaguardar as crianças e adolescentes brasileiros, partem para medidas simplistas como a defesa do encarceramento de jovens, como a solução de problemas. Não aprenderam a lição do sociólogo Hebert de Souza, o Betinho, segundo a qual, “se não vejo na criança, uma criança, é porque alguém a violentou antes; e o que vejo é o que sobrou de tudo o que lhe foi tirado.”

Ora, com todo respeito à dor de quem perdeu filhos, amigos e entes queridos em decorrência da criminalidade gritante na sociedade brasileira, aqueles que partem do viés do endurecimento e aumento das penas, inclusive, aumentando o espectro, ou seja, a parcela das pessoas que poderão sofrer suas consequências (como, por exemplo, o aumento da maioridade penal), em verdade têm uma noção totalmente equivocada acerca do sentido que deve ter o sistema prisional em qualquer sociedade que se pretenda civilizada e realmente democrática, pois essas pessoas entendem o recolhimento dos condenados às penitenciárias não como um instrumento que deveria visar a recuperação, a ressocialização e a reinserção social daqueles que deliquem, mas sim, tão apenas como uma medida que além de garantir a higienização social, retirando das ruas aqueles que vão contra as regras de convivência social, ou seja, as pessoas que cometem quaisquer tipos de crimes ou contravenções, oferece sensação de vingança contra os delinquentes, em especial aos ofendidos por seus atos, ou as familiares destas pessoas.

O que se vê, portanto, nos defensores do aumento das penas e do viés dos criminalizados, fazendo-as atingir os menores de idade, é fazer prevalecer a velha Lei do Talião, que prega o “olho por olho e o dente por dente”, estabelecida pelo há muito não vigente Código de Hamurabi, de 1780 antes de Cristo.

Entretanto, tenho que abrir aqui um parênteses, para dizer que, em frente à realidade das penitenciárias e cadeias brasileiras, enfim, em face à realidade do nosso sistema prisional, é a lei de Talião que inspira o modelo de justiça penal, para nossos governantes, pois há muito nossas “cadeias” são tão apenas depósitos de gente indesejada, escolas do crime, ondes os detentos “têm que sofrer, pagar pelo crime cometido”.

A questão, portanto é que a sociedade brasileira, precisa superar esse modelo de justiça penal e social, que tem se mostrado ineficaz, do ponto de vista da real de diminuição da violência e por consequência de dar segurança à sociedade. É preciso partir para um novo modelo que recupere e ressocialize os detentos, mas, também, que evite ou, ao menos, diminua consideravelmente o número de pessoas que delinquem, que distribua renda - dotando a sociedade de serviços públicos de qualidade, incluindo, a educação, a formação de professores, etc - de modo a combater a desigualdades sociais que têm transformado a sociedade neste mundo cão e violento, onde o homem é o lobo do próprio homem.

Em vez de berrar nos rádios, televisões e redes sociais pelo aumento da maioridade penal, os “datenas da vida”, deveriam, portanto, pugnar por políticas de segurança pública e políticas sociais, pensadas a partir da reforma do sistema educacional, dotando-o de qualidade e gratuidade, da geração de empregos e do aumento dos salários, da socialização da cultura (chega de lek, lek, lek) e da assistência social e hospitalar de qualidade. Deveriam, também, repensar os modelos de polícias que temos, para que os profissionais de segurança sejam preparados para dar segurança e não para guerrear, em face de uma estrutura militarizada, contra a sociedade (refiro-me às PM’s brasileiras). Deveriam, também repensar, é claro o sistema prisional, para acabar com as superlotações dos presídios e para que estes tenham no trabalho e na educação uma forma de ressocializar os detentos.

 

Aumento de pena e do espectro de penalizados, com todo o respeito, é discurso fácil, populista, de viés claramente fascista, que não vai resolver o problema da segurança pública brasileira. Se aprovada a responsabilidade penal para os maiores de 16 anos, estaremos apenas abrindo às portas para a penalização, com o decorrer do tempo, tão logo um crime bárbaro seja cometido por um adolescente menor de 16, de origem pobre é claro, para a penalização dos maiores de 14, de 12, de 10, 8, 7, 6...

 

 

Adriano Espíndola Cavalheiro, é advogado trabalhista e assessor jurídico sindical de várias entidades de trabalhadores. Preside a Comissão de Movimentos Sociais da OAB/Uberaba e é membro da Coordenação Executiva da Associação dos Advogadas e Advogados do Triângulo Mineiro/MG. Militante do PSTU, é membro da Renap (Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares) e do Corpo Jurídico da CSP- Conlutas (Central Sindical e Popular - Coordenação Nacional de Lutas).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Qual o significado das siglas usadas no INSS (B31, B32, B41, B42, B46, etc...)?

Todos os benefícios concedidos pelo INSS possuem um código numérico que identifica as suas características e facilita o entendimento entre os servidores para o desempenho de suas atribuições:   APS - Agência da Previdência Social B21 - Pensão por Morte B25 - Auxílio-Reclusão B31 - Auxílio-Doença B32 - Aposentadoria por Invalidez B36 - Benefício Decorrente de Acidente de Qualquer Natureza ou Causa B41 - Aposentadoria por Idade B42 - Aposentadoria por Tempo de Contribuição B43 - Aposentadoria de ex-Combatente B46 - Aposentadoria Especial B56 - Pensão Especial às Vítimas da Talidomida B57 - Aposentadoria por Tempo de Contribuição de Professor B80 - Salário-Maternidade B87 - Amparo Social à Pessoa Portadora de Deficiência B88 - Amparo Social ao Idoso B91 - Auxílio-Doença (acidente do trabalho) B92 - Aposentadoria por Invalidez (acidente do trabalho) B93 - Pensão por Morte (acidente do trabalho) B94 - Auxílio-Acidente. CADPF - Cadastro da Pessoa Físi

TRABALHADOR TEM DIREITO DE SENTAR DURANTE A JORNADA DE TRABALHO

Caixa de restaurante que trabalhava 12 horas em pé será indenizada   (14/11/2012) Todo empregador tem obrigação de zelar pela integridade física do empregado e oferecer um ambiente de trabalho em condições propícias, de modo a não gerar danos à saúde deste. O ordenamento jurídico traz vários dispositivos neste sentido. A própria Constituição Federal estabelece que o patrão tem o dever legal de oferecer um ambiente de trabalho em condições dignas de higiene, saúde, segurança e bem estar físico e mental. Mas ainda existem muitas empresas que, visando apenas ao lucro, exploram ao máximo o trabalho e desprezam a saúde do trabalhador. Recentemente a juíza Maristela Íris da Silva Malheiros, titular da 19ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, julgou a reclamação ajuizada por uma operadora de caixa que tinha de cumprir a extensa jornada diária de doze horas em pé. Isto porque o restaurante onde ela trabalhava não lhe fornecia cadeira.   Para a magistrada, a conduta caracteriza dan

"Somos como borboletas que voam por um dia e acham que é para sempre."

São apenas dois dias, no momento que escrevo esse texto, do perecimento do meu Pai. Antes de continuar, peço desculpas a quem possa ter se ofendido com a primeira mensagem que escrevi falando do ocaso da vida daquele que, junto com minha mãe, deu-me vida. Naquela mensagem, escrita quando a aceitação sequer era vislumbrada (começo a me aproximar desta fase), quando a dor fazia seus primeiros estragos, grosseiramente chamei de “frivolidades imaginárias” as tentativas das pessoas de me confortar com mensagens e condolências de cunho religioso. Não penso assim, foi um erro dizer o que eu disse. Não sou religioso, isso não é segredo para ninguém. Mas, respeito, sempre respeitei o sentimento religioso das pessoas, o qual permeou grande parte das mais de mil mensagens de pesares que recebi, tanto nas redes sociais como no velório. Independente da religião, salvo aquelas loucuras feitas por pessoas guiadas por líderes religiosos de índole duvidosas (como fazer arminha, defender o ódio ou, desv