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Acerca da Justiça Gratuita: EM DEFESA DOS DIREITOS À DIGNINDADE HUMANA E DA ADVOCACIA

O direito à gratuidade à Justiça é garantido pelo Art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal que diz “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, portanto essa garantia constitucional assegura aos hipossuficientes a prestação de assistência judiciária gratuita.



 Observem que na Constituição não há qualquer condicionante, estabelecendo que esse benefício será concedido conforme critérios adotados em lei ou, ainda, por critérios subjetivos a ser estabelecido pelo juiz da causa. A comprovação que o texto constitucional faz menção, considerando a boa-fé objetiva, deve ser suprida com a declaração de próprio punho da pessoa, de sua situação de hipossuficiência, até mesmo porque, a legislação prevê mecanismos para punir aqueles que prestem declarações falsas.

 No entanto, e faço abertamente essa crítica, porquanto além de não se tratar de um processo meu, eu não o identifico nessa crítica, não havendo, portanto,  impeditivo legal que eu me impeça de manifestar em público neste caso, é certo que me deparei, no dia de hoje, com o despacho abaixo, exarado pela Quarta Vara Cível de Uberaba.

 Data maxima venia, o referido despacho é permeado do mesmo espírito (um espírito de porco, diga-se de passagem, no sentido bíblico do termo) que levou à aprovação, pela Câmara dos Deputados, pela base do governo federal, do inconstitucional jabuti quando da votação da MP 1045/21, o qual limita o acesso à Justiça Gratuita apenas para as pessoas que tenham renda familiar mensal familiar per capita de até meio salário mínimo ou renda familiar mensal de até três salários mínimos. Além disso, por essa emenda do governo Bolsonaro, não bastará a Declaração de Pobreza, para ter concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, pois a pessoa precisará provar sua condição de hipossuficiência econômica por meio de documento que comprove que ela é habilitada no CadÚnico do governo federal para programas sociais! Um espancamento da Constituição Federal!!!

Voltemos, pois, ao despacho da Quarta Vara Cível de Uberaba:

(...)

Vistos,

Intime-se a parte autora para, em 10 dias, comprovar sua hipossuficiência financeira, sob pena de indeferimento da AJG, juntando aos autos a documentação pertinente, qual seja:

a. Cópia das últimas folhas da carteira de trabalho, ou comprovante de renda mensal, acaso seja autônomo ou desempregado apresentar Decore;

b. Cópia dos extratos bancários de contas de titularidade, dos últimos 3 (três) meses;

c. Cópia dos extratos de cartão de crédito, dos últimos 3 (três) meses;

d. Cópia da última declaração do imposto de renda apresentada à Secretaria da Receita Federal ou cópia da declaração de isenção;

e. Cópia das duas últimas faturas de água, luz e telefone (observando o endereço residencial informado nos autos);

f. Certidão atualizada de propriedade de imóvel (is) e de veículo automotor;

g. 3 (três) últimos holerites.

 

UBERABA, data da assinatura eletrônica.                      

JOSE PAULINO DE FREITAS NETO

Juiz de Direito

 

Com todo o respeito que eu tenho por todo e qualquer magistrado, o r. despacho acima transcrito atenta não apenas ao direito da Justiça Gratuita, mas fere de morte à própria Constituição Federal, porquanto, como eu já disse, não há previsão autorizativa no texto constitucional para que o i. magistrado que o proferiu adote, de sua nobre cabeça, critérios que não foram previstos pelo constituinte para a concessão da gratuidade judiciária.

Não  se pode perder de vista que para obter um Decore, além da dificuldade de encontrar um contador que o emita, o interessado pela obtenção dos benefícios da justiça gratuita terá que pagar honorários contábeis para tanto, pagamento também que terá que fazer para obter a certidão atualizada de imóveis, o que pode ser uma barreira intransponível para muitos, muitos mesmo!

Além disso, o fato, por exemplo, de uma pessoa ter um imóvel ou mesmo mais de um imóvel em seu nome, ou ganhar acima de determinado valor, não quer dizer que ela tenha condições de arcar com as custas de um processo e, ainda, com honorários sucumbenciais, porquanto, muitas vezes sua renda está totalmente comprometida com o sustento próprio e de seus familiares, fato elementar no direito, desprezado no despacho em comento, comprometimento que daria ela direito de receber o benefício constitucional.

Seja a emenda colocada no projeto aprovado na Câmara dos Deputados, seja despachos como o acima em comento, com o máximo de respeito, são equívocos que servem apenas para afastar o direito dos mais pobres de se socorrerem ao judiciário para resolver seus problemas. Trazem em si, um espírito de porco, que pode ser traduzido no desejo de uma justiça elitista para os ricos, ao mesmo tempo que empurra os pobres para os juizados especiais, dos quais, nós Operadores do Direito, sabemos as deficiências que enfrentam e das dificuldades que impõe.

Em última análise, ao afastar o acesso do judiciário aos mais pobres, esse equivocado despacho e esse desprezível jaboti, atentam contra a própria manutenção da advocacia, pois, quanto menos pessoas terem acesso ao judiciário, tanto menos clientes teremos nós advogados.

Por fim, renovadas as vênias, o despacho e esta emenda restritiva em comento, deixa à nu a natureza de classe do judiciário, onde cada dia mais aos pobres e pretos do nosso país, é reservado apenas o seu ramo criminal.


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